
Corria o mês de maio de 1828, quando as informações desconexas escritas em caligrafia arruinada pela doença registram os últimos lances anotados pelo Barão em seus diários de viagem. Uma longa viagem que atesta a determinação e coragem deste diplomata-cientista que, quatro anos antes, aos 50 anos de idade, abandonou o conforto de seu gabinete de cônsul da Rússia na cidade imperial do Rio de Janeiro para percorrer o selvagem interior do Brasil: Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, atravessando o pantanal até chegar à selva amazônica.
Para esta verdadeira epopéia científica iniciada em 8 de maio de 1824, o Barão arrastou consigo um batalhão de escravos, caçadores, batedores e comandou, enquanto sua lucidez permitiu, cientistas como Riedel, Ménétriés, Rubtsov, que posteriormente abarrotaram os museus da Rússia e Alemanha com espécimes da fauna, flora e da geologia brasileiras, e ainda trouxe artistas do porte de Rugendas, Taunay e Florence que marcaram para sempre a memória visual do Brasil.
Quanto do suor e do amor à ciência não foi exigido desses homens internados nos pontos mais inóspitos do Brasil, em busca dos conhecimentos sobre a América ainda por descobrir?
Quando Minas Gerais ainda era um irresistível destino para aventureiros europeus ávidos em conhecer de onde brotaram tanto ouro e diamantes, espalhados de forma inconseqüente pelo decadente império português, Langsdorff não perdeu tempo. E foi por Barbacena que ele começou sua expedição. Mais que isso, na carrancuda e fria cidadezinha mineira, repleta de mulatas a se oferecer para os viajantes, o Barão montou uma das bases de sua expedição. Ele teve até um barbacenense como auxiliar. O menino Constantin, cuja humilde missão era preparar os espécimes recolhidos, experimentou o privilégio de testemunhar a maior expedição científica que passou por Minas, na primeira metade do século XIX.
Mesmo depois de décadas decorridas, desde o fim da grande produção aurífera nas Minas Gerais, Langsdorff e seu cortejo de cientistas seguiram pela Estrada Real, colhendo informações sobre o meio natural, sobre a economia e a sociedade mineiras, poucos anos depois da independência do Brasil.
Em seus diários, Langsdorff observa, às vezes com lucidez, às vezes de forma bastante preconceituosa, o modo de vida dos mineiros e seus hábitos. Os textos dos diários alternam longas narrativas e parágrafos curtos, como um tweet em alemão gótico . No dia 8 de julho de 1824, ele escreve: “ No arraial das Mercês a perversão dos costumes é tão grande como em outros lugares e maior que em Barbacena. O desleixo e a preguiça das pessoas superam qualquer expectativa”.
Mais adiante, o Barão detecta a presença dos últimos indígenas da região central de Minas e anota: “À tarde encontramos muitos índios que vieram no domingo para a missa, todos bem vestidos e a maioria bêbada”. Eles estavam na região de Ubá.
Mas é na percepção da degradação ambiental, proveniente da mineração predatória que Langsdorff revela seus maiores temores quanto ao futuro da província. Sem ouro, a região mergulhava na miséria por falta de outras atividades produtivas. Nos arredores de São José del-Rei ( hoje Tiradentes) ele diz:
“ É difícil ter uma idéia dos absurdos e da devastação que se cometeu aqui nas escavações do ouro. É como se morros e vales tivessem sido rasgados e despedaçados por uma tromba d´água. A sede do ouro está tão enraizada nas pessoas que elas preferem passar fome na expectativa de achar ouro, vivendo na ociosidade, do que buscar, através da atividade agrícola, um sustento seguro”.
E Langsdorff sentencia: “ Onde há lavação de ouro, reina a pobreza !”
Enquanto suas palavras são insuficientes para descrever a enorme diversidade animal e vegetal de Minas Gerais, o Barão não se cansa de especular sobre como poderia ser melhorada a vida em Minas e profetiza o surgimento de uma grande capital.
Em 5 de outubro de 1824, 73 anos antes da inauguração de Belo Horizonte , ele registra em seu diário: “Três léguas ao sul de Santa Luzia, fica o arraial de Curral Del-Rei. Dizem ser uma região saudável e fértil. Os Rios das Velhas, São Francisco e Grande são navegáveis e piscosos. A vila em si, embora praticamente no centro desta província populosa e do Império está bem localizada: dela pode-se ter acesso ao Pará, por meio do rio Tocantins e a Montevidéu pelos rios Paraguai e Grande. Qualquer produto de outros países do mundo pode ser trazido para cá pelo Rio São Francisco e o Rio das Velhas. Não seria este local conveniente para se construir a nova capital do império?
E lá se vai o Barão selva adentro, sonhando com um Brasil grande e cheio de possibilidades não aproveitadas por seu governo e seu povo.
A viagem descrita nos diários ainda duraria mais seis meses, até o retorno à Fazenda da Mandioca, na região serrana do Rio de Janeiro, verdadeira base científica de Langsdorff no Brasil.
Ali ele finalizou seu primeiro relatório, em 18 de maio de 1825, com as seguintes palavras: É bem mais fácil e menos cansativo para um leitor, sentado em sua poltrona, ler superficialmente algumas observações que, até lhe pareçam supérfluas, do que para um viajante no Brasil, ter que esperar dias a fio a volta de animais perdidos e fujões, passar por todo tipo de incômodo, ficar sob sol escaldante e ainda sujeito a passar fome. Não é raro o viajante ter que deitar seu corpo cansado sobre peles de boi duras, ao invés de sofás macios, sempre correndo o risco de ver destruída, dispersada ou perdida toda a sua bagagem, instrumentos valiosos e material de História Natural colhido.”
E sem imaginar o fim trágico que o aguardava, ele arremata:“É impossível fazer uma viagem confortável neste país.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário