sábado, 30 de janeiro de 2010

Langsdorff, um aventureiro esquecido

A célebre expedição do Barão Georg Von Langsdorff (1774-1852) daria um enredo para um filme e tanto! Percorrer 17 mil km Brasil adentro, a bordo de um jipe off-road já seria digno de uma aventura. Imagine, caro graphicardíaco, fazer isso a pé, em lombo de mulas ou em precárias canoas? Pois foi isso que o nobre alemão a serviço do Czar Alexander I fez no início do século XIX, junto com artistas e outros cientistas, convidados para estudar a fauna, flora e até astronomia, a partir dos sertões brasileiros. O médico alemão, que já tinha dado a volta ao mundo anos antes, era um aventureiro para ninguém botar defeito. Mas a expedição acabou se transformando em uma grande tragédia pessoal para o próprio Barão que enlouqueceu em plena floresta tropical, foi acometido de malária e teve um dos seus auxiliares morto durante a travessia de um rio. Por fim, passou para a posteridade taxado por muitos historiadores como um lunático e irresponsável. Tudo isso fez desta fantástica expedição artística e científica um grande mistério. De volta à Europa, doente e mentalmente perturbado, Langsdorff não conseguiu publicar praticamente nada de suas viagens e o mais incrível: até 1930, caixas e caixas de material científico de valor inestimável permaneceram esquecidas nos porões da sede administrativa do Jardim Botânico de São Petersburgo, na Rússia. Somente com o fim da União Soviética e a aproximação do Brasil e Rússia, por ocasião da Conferência Rio 92, é que pesquisadores brasileiros puderam ter contato com parte do acervo de espécimes e minerais recolhidos. E o mais valioso: os magníficos cadernos contendo os diários do viajante e naturalista.
No final dos anos 90, os textos foram traduzidos para o português, em um trabalho da AIEL - Associação Internacional de Estudos Langsdorff - criada em Brasília, em 1990, pelo pesquisador russo Boris Komissarov, da Universidade de São Petersburgo. Tive contato com essa história nos anos 90, quando um grupo da AIEL, liderado por Danuzio Gil Bernardino da Silva veio a Barbacena para tentar registrar algum resquício da paisagem que o jovem Johann Moritz Rugendas, então o desenhista oficial da expedição, registrou em aquarelas. As duas silhuetas das Igrejas da Piedade e Boa Morte são bem reconhecíveis na delicada aquarela que Rugendas esboçou num dia frio de junho de 1824, provavelmente no alto do morro onde hoje está o pequeno estádio do Olimpic Club.
A partir daí, passei a compartilhar com a turma do Langsdorff um pouco da angústia de ver esta obra tão importante permanecer pouco divulgada. Soube depois, que até Jorge Amado, nos anos 60, usando seu prestigio de comunista histórico, tentou que o governo soviético permitisse o acesso de pesquisadores brasileiros ao acervo do Barão, mas a coisa continuou emperrada.
A tradução dos diários, publicada em uma produção gráfica caprichada feita pela Editora da FIOCRUZ foi um grande momento para essa confusa história. Em 1998, por meu intermédio, o Prof. Danuzio veio mais uma vez a Barbacena, para uma palestra no curso de História da Unipac, curso este que abandonei por absoluta falta de motivação.Assim tornei-me um apaixonado pelo tema. Alguns livros de arte foram lançados revelando parte do valioso material. E até descendentes de membros da expedição reviveram alguns trechos percorridos. Mas há muito mais a descobrir...

sábado, 16 de janeiro de 2010

Museu x amnésia

Este desenho feito por volta de 1998, definia como deveria ficar a fachada do Museu Municipal de Barbacena depois de pronto. Uma vitória de muitos anos antecipada em gouache e bico de pena. No dia 9 de junho de 2009, o Museu Municipal "comemorou "10 anos de existência. Provavelmente ninguém se lembrou da data - justamente da principal casa de memória de uma cidade desmemoriada de 218 anos. Só a recuperação da antiga tipografia do Jornal Cidade de Barbacena ( fundado em 1898), reconstituida no porão da casarão já valeu todo o esforço para a existência do Museu. Mas lá dentro, tem muitos outros tesouros silenciosamente salvos.
Talvez por estar sendo zelosamente ignorado em sua importância, o Museu esteja a salvo de intervenções e "revitalizações". Se for para manter-se vivo e íntegro, que assim seja...

Bush's echoes


Em 2005, fiz uma pequena HQ sobre o famigerado George Walker Bush e seus métodos do velho oeste. Encontrei por acaso os originais desta historinha e compartilho com os graficardíacos dois frames dela...

domingo, 10 de janeiro de 2010

Água!


O desenho é de 2007 mas continua valendo. O preço do desrespeito à natureza está sendo cobrado...Líquido e certo!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Miguilim e Manuelzão


Todo mundo tem uma história bonita para contar. Seja uma aventura, uma descoberta, um amor, uma saudade... Se não aconteceu de verdade, pode até ser inventada . O importante é contar com criatividade ou soltar a imaginação. Assim fazia o grande escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908- 1967). Ele foi médico, militar e diplomata. Morou no início dos anos 30 em Barbacena, era capitão médico do 9º Batalhão da Polícia e em Barbacena nasceu uma de suas filhas. Em 1956, lançou o livro “Grande Sertão: Veredas,” um marco na literatura brasileira e certamente na literatura mundial, ainda que suas traduções não consigam transmitir toda a intensidade de um texto que reinventa a própria língua portuguesa. Dentre vários personagens, Guimarães Rosa criou dois muitos especiais: Miguilim, um menino fictício cheio de realidade e Manuelzão, um homem real, pleno de ficção. O primeiro, menino travesso e inteligente, gostava de seus irmãos e com eles ia descobrindo os mistérios da vida. O personagem infantil aparece na novela Campo Geral, originalmente parte do livro Corpo de Baile, lançado em 1956. No texto, Rosa define o moleque: “Miguilim não tinha vontade de crescer, de ser pessoa grande, a conversa das pessoas grandes era sempre as mesmas coisas secas, com aquela necessidade de ser brutas, coisas assustadas.” Quanto ao segundo, Manuelzão era um vaqueiro sábio e grande contador de estórias. O personagem foi criado a partir das vivências de Manuel Alves Nardy (1904-1997). Foi este vaqueiro que ensinou as astúcias do sertão a João Rosa. Manuelzão acima de tudo era um grande contador de causos. Apareceu na novela Estória de Amor, também do livro Corpo de Baile.
Em 2006, criei para a Prefeitura local o material gráfico de um concurso sobre os dois personagens, grandes representações da infância e da velhice, ambos tempos de grande sagacidade e perspicácia. Duas coisas que a plenitude da vida adulta e “produtiva”nos rouba.
O desenho que fiz foi uma deliciosa volta às origens, quando, com papel, tesoura e cola eu me sentia bem mais equipado artisticamente. Coisa que Mac Pro, Photoshop, Illustrator e Cintiq, mesmo custando pequenas fortunas, não são capazes de proporcionar...

domingo, 3 de janeiro de 2010

A loucura segundo Portinari


A loucura está presente nas obras e nas biografias de alguns grandes artistas. Um “prato cheio” para qualquer criador que queira se confrontar com um tema tão instigante e talvez, o mais humano dos dramas. A perda da capacidade de racionalizar, algo impensável na realidade do homem moderno e contemporâneo é quase um passaporte para a morte social. Por isso, o louco é tão associado à prisões, grades, exclusão. Isto ocorre ainda hoje porque a loucura vai além de disfunções psíquicas e neurológicas, é envolta em teias de preconceito, estigmas e medos. Isso desde que o mundo é mundo...
É de se estranhar que em uma cidade como Barbacena, que desde 1903, manteve um dos maiores e mais cruéis hospícios do mundo, o local não tenha sido tema de algum artista que se permitisse tentar imaginar o que ocorria atrás das grades e muralhas erguidas para separar os territórios da lucidez e da loucura.
Mas se faltou um olhar mineiro sobre o tema, coube ao paulista Cândido Portinari, debruçar-se sobre o texto de Machado de Assis, em O Alienista, para realizar uma interessante série de despojados desenhos em água- forte e nankim, retratando a loucura institucionalizada pelo célebre Prof. Aristarco. Conheci esta obra através de um artigo referente à impressão de O Alienista realizada pela Imprensa Nacional em 1948. Segundo a autora, Tatiana Fecchio Gonçalves , pesquisadora da Unicamp, foi realizada uma tiragem de 100 exemplares, em grande formato, com 70 folhas numeradas e mais algumas folhas soltas dentro de capa. Consta na edição que esta foi iniciada em 1945 e acabada em 12 de julho de 1948. No artigo, a Profa. Tatiana arrola detalhes técnicos:
“ Esta edição do O Alienista de Machado de Assis, feita por iniciativa e sob a direção de Raymundo de Castro Maia para fins de beneficência, foi ilustrada por Candido Portinari, com quatro águas-fortes tiradas pelo artista, em colaboração com seu irmão Loy Portinari e trinta e seis desenhos a nankin. O texto e os desenhos foram produzidos e, "off set", na Imprensa nacional , do Rio de janeiro, sendo diretor o Prof. Francisco de Paula Aquilles; chefe da Divisão de Produção, Raul de Oliveira Rodrigues; assessor da Produção, Rubem Pimentel da Motta; chefe de Composição, Tarquinio Antonio Rodrigues; chefe da Gravura, Oswaldo de Assis; chefe de Impressão Lithographica, Oscar Loureiro; técnico em "off set", Silvio Signhorelli.
Para os graficardíacos, reproduzimos um dos desenhos de Portinari em O Alienista.