segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Lixo histórico


O clichê com as armas do município de Barbacena, apesar de sua grande importância como iconografia e até como obra de arte, foi descoberto por acaso em 2001. Quando eu ainda era presidente da Fundac - Fundação Municipal de Cultura de Barbacena - certa tarde recebi um telefonema de um cidadão que oferecia para venda um lote de papéis antigos e velhas revistas. Ele falava de um depósito de sucata e ferro velho, na entrada da cidade e sugeria que eu fosse ao local pessoalmente ver se havia algo que pudesse ser valioso. Dois anos antes, tínhamos inaugurado o Museu Municipal da cidade e, para um município com mais de 200 anos de existência, e absolutamente desprovido de algum espaço público que pudesse reconstituir sua história, é óbvio que o Museu causara impacto na vida da comunidade,a ponto de um sucateiro imaginar que pudesse estar com um acervo importante nas mãos. Só este fato me fez começar a acreditar que tantos anos de esforço e teimosia não seriam em vão.
Pois bem: meia hora após a ligação, lá estava eu e meu Superintendente Executivo, Leonardo Carvalho, dentro de um enorme container enferrujado, lotado até à borda de papéis de várias épocas e finalidades. Desde notas fiscais de lojas de aviamentos e tecidos datadas de 1908, jornais, cartas, fotos e revistas célebres como Careta, Fon Fon e O Cruzeiro. A variedade de peças tinha porém uma só origem. Uma das mais tradicionais famílias da cidade. Soube mais tarde que, devido a uma séria desavença entre herdeiros, a papelada foi tida e vendida como lixo. Óbvio que imediatamente mandamos cobrir o container que já exalava um forte cheiro de papel velho e úmido, graças à chuva da noite anterior. E evitando a insuperável burocracia do setor público, eu e Leo compramos o material com nossos próprios cheques, para a decepção do vendedor que topou nossa oferta depois de saber que o Museu não teria qualquer interesse pela montanha de "lixo histórico".
A compra foi mais do que oportuna. Depois de cuidadosa análise dos quilos e quilos de papel, pudemos descobrir de quem eram as cartas, fotos, até documentos. Notificamos a família ( ou parte dela ) que rapidamente se responsabilizou por recolher tudo. Mas do que salvamos, duas coisas ficaram conosco: uma foi um impresso, possivelmente, uma guia de recolhimento de uma taxa municipal, na qual o clichê acima aparece estampado e a outra, um exemplar da revista O Cruzeiro, edição de 1942,miraculosamente intacto. A importância das peças? Bem, uma deve ser a mais antiga representação republicana das armas do Município de Barbacena, feitas por ordem do então Prefeito Chrispim Jacques Bias Fortes, com un traço que eu pessoalmente atribuo a Alberto Delpino, que nesta época era uma espécie de Debret da corte barbacenense, ou seja, era chamado para desenhar quase tudo na cidade. O braço em riste ( esquartejado de Tiradendes) as 14 estrelas representando os distritos, o fitão classicamente desenhado com as palavras "Município de Barbacena", está tudo lá. Uma obra-prima, em termos de síntese para a bandeira de um município, já que a maoiria dos que conheço, remete-se à uma heráldica mal aplicada e cujo resultado quase sempre é desastrosamente sem personalidade.
Quanto à edição da Revista O Cruzeiro, era nada mais nada menos do que aquela que trouxera à Minas o pintor romeno Emeric Marcier - célebre artista sacro - que descobriu Minas Gerais, nos anos 40, ao ser convidado para ilustrar com maravilhosas pinturas e desenhos uma reportagem sobre o barroco mineiro.Entre os repórteres daquela primorosa edição, Drummond, Marques Rebelo e outros grandes escritores.
E pensar que tudo isso repousava num enorme latão de lixo...

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