quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Que os anjos digam Amém...


A logomarca do Museu Casa de Marcier foi feita por mim em 2004, ano da inauguração da casa e creio, depois disso nunca mais foi utilizada. Os anjos foram retirados do belíssimo painel executado em afresco pelo mestre romeno, em 1949, na sala de visitas do Sítio Sant´Anna, um lugar ao mesmo tempo místico e aconchegante que aos trancos e barrancos a cidade de Barbacena ainda preserva. Talvez uma das poucas imagens festivas feitas por Marcier. Dizem que os anjos e santos retratados na pintura é que impediram que vândalos tivessem a coragem de destruir a casa, praticamente abandonada anos antes de sua desapropriação. Desapropriação esta, feita na marra por Maria da Glória Bittar de Catro Pereira, na época presidente da Fundação de Cultura da cidade, e que como poucos gestores públicos de cultura, nunca utilizou a desculpa da falta de dinheiro para deixar de fazer o que tinha que ser feito. Como diria Assis Chateaubriand: "com dinheiro na mão qualquer imbecil faz qualquer coisa, o negócio é fazer sem dinheiro!". Assim a casa se salvou.
Com a benção dos santos esperamos pelo que de bom e ruim 2010 nos reserva a todos.
Que a parte boa prevaleça. E que os anjos (de Marcier) digam Amém...

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Um mártir do traço


Quem nunca viu este Tiradentes, com ares de Cristo, figurinha carimbada na maioria dos livros didáticos?
O Tiradentes –Jesus –Cristo, herói nacional idealizado pelos republicanos, carentes de um mártir, foi inventado pelos marechais bigodudos e golpistas de 1889.
Mas quem visualizou o personagem foi o artista mineiro Alberto André Delpino (1864-1942). Nas biografias dele, há quem indique sua cidade natal como Porto das Flores, outros colocam Juiz de Fora. O fato é que Delpino, fez-se mestre fora de Minas Gerais, ao estudar com alguns mestres da sua época: Pedro Américo, Vitor Meireles, José Maria de Medeiros, Augusto Rodrigues Duarte, João Zeferino da Costa, os alemães Georg Grimm e Benno Treidler, Almeida Reis, Rodolfo Bernardelli, Bethencourt da Silva e Batista Pagani. Essa patota fazia o ambiente artístico da Academia Imperial de Belas Artes, reduto dos artistas que brilhavam nos salões que premiavam os acadêmicos com medalhas de ouro, prata ou bronze e tinham Paris como Meca.
Engraçado imaginar que a Academia protegida pelo Imperador Pedro II formou o cara que criou a imagem do herói daqueles que o tirariam do poder e desbancariam a caduca monarquia escravocrata brasileira. Cem anos antes, D. Maria I, a Louca, bisavó do Imperador, mandava “prender e arrebentar”os inconfidentes, além de enforcar e esquartejar o futuro Cristo mineiro, o bendito Alferes que nos proporciona hoje um feriado anual e denomina o colégio onde fui um aluno medíocre.
Delpino e Tiradentes se conectam com Barbacena não só pelo desenho da bandeira da cidade – ainda hei de provar que foi de Delpino a idéia de usar como símbolo, o braço esquartejado de Tiradentes – como pela cabeça do Alferes Joaquim , celebrizada nos livros de História do Brasil e que pode ter sido feita por aqui, pois nesta época ele era professor de desenho nos principais educandários da cidade.
Assim como Tiradentes, até o advento da República, Delpino tem sido martirizado pelo esquecimento em Barbacena, cidade que o acolheu por muitos anos e onde ele fez a única exposição individual de sua carreira, em 1896.
No Museu Municipal temos duas obras representativas deste grande pintor: uma minúscula tela representando a Câmara Municipal e uma grande tela retratando o Marechal Floriano Peixoto, feita possivelmente quando este veio para Barbacena em busca de ares salutares para sua doença. O retrato que ficava na Câmara Municipal foi transposto para o Museu graças à lucidez do presidente da casa na época, Professor Amarílio Andrade, que viabilizou junto aos vereadores a autorização para a transferência. Tempos depois, outro batalhador pelo Museu, Waldir Damasceno, conseguiu que a obra fosse restaurada por ele e um time de restauradores da Fundação de Arte de Ouro Preto.
Mesmo sendo considerado um mestre da pintura de cavalete, na minha opinião, a maior contribuição de Delpino para as artes mineiras está na imprensa, pois o cara era um exímio desenhista e como tal, era mais arrojado no traço do que em suas pinturas acadêmicas. Além de ter publicado em jornais como O Diabo, O Mequetrefe e o Tagarela, em Barbacena ele ilustrou vários números de O Mensal, com primorosos desenhos em bico-de-pena. Em outros posts publicarei alguns deles para deleite dos graficardíacos.
Seus desenhos emprestavam um charme às publicações que nunca mais nossa imprensa local teria igual...

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Lixo histórico


O clichê com as armas do município de Barbacena, apesar de sua grande importância como iconografia e até como obra de arte, foi descoberto por acaso em 2001. Quando eu ainda era presidente da Fundac - Fundação Municipal de Cultura de Barbacena - certa tarde recebi um telefonema de um cidadão que oferecia para venda um lote de papéis antigos e velhas revistas. Ele falava de um depósito de sucata e ferro velho, na entrada da cidade e sugeria que eu fosse ao local pessoalmente ver se havia algo que pudesse ser valioso. Dois anos antes, tínhamos inaugurado o Museu Municipal da cidade e, para um município com mais de 200 anos de existência, e absolutamente desprovido de algum espaço público que pudesse reconstituir sua história, é óbvio que o Museu causara impacto na vida da comunidade,a ponto de um sucateiro imaginar que pudesse estar com um acervo importante nas mãos. Só este fato me fez começar a acreditar que tantos anos de esforço e teimosia não seriam em vão.
Pois bem: meia hora após a ligação, lá estava eu e meu Superintendente Executivo, Leonardo Carvalho, dentro de um enorme container enferrujado, lotado até à borda de papéis de várias épocas e finalidades. Desde notas fiscais de lojas de aviamentos e tecidos datadas de 1908, jornais, cartas, fotos e revistas célebres como Careta, Fon Fon e O Cruzeiro. A variedade de peças tinha porém uma só origem. Uma das mais tradicionais famílias da cidade. Soube mais tarde que, devido a uma séria desavença entre herdeiros, a papelada foi tida e vendida como lixo. Óbvio que imediatamente mandamos cobrir o container que já exalava um forte cheiro de papel velho e úmido, graças à chuva da noite anterior. E evitando a insuperável burocracia do setor público, eu e Leo compramos o material com nossos próprios cheques, para a decepção do vendedor que topou nossa oferta depois de saber que o Museu não teria qualquer interesse pela montanha de "lixo histórico".
A compra foi mais do que oportuna. Depois de cuidadosa análise dos quilos e quilos de papel, pudemos descobrir de quem eram as cartas, fotos, até documentos. Notificamos a família ( ou parte dela ) que rapidamente se responsabilizou por recolher tudo. Mas do que salvamos, duas coisas ficaram conosco: uma foi um impresso, possivelmente, uma guia de recolhimento de uma taxa municipal, na qual o clichê acima aparece estampado e a outra, um exemplar da revista O Cruzeiro, edição de 1942,miraculosamente intacto. A importância das peças? Bem, uma deve ser a mais antiga representação republicana das armas do Município de Barbacena, feitas por ordem do então Prefeito Chrispim Jacques Bias Fortes, com un traço que eu pessoalmente atribuo a Alberto Delpino, que nesta época era uma espécie de Debret da corte barbacenense, ou seja, era chamado para desenhar quase tudo na cidade. O braço em riste ( esquartejado de Tiradendes) as 14 estrelas representando os distritos, o fitão classicamente desenhado com as palavras "Município de Barbacena", está tudo lá. Uma obra-prima, em termos de síntese para a bandeira de um município, já que a maoiria dos que conheço, remete-se à uma heráldica mal aplicada e cujo resultado quase sempre é desastrosamente sem personalidade.
Quanto à edição da Revista O Cruzeiro, era nada mais nada menos do que aquela que trouxera à Minas o pintor romeno Emeric Marcier - célebre artista sacro - que descobriu Minas Gerais, nos anos 40, ao ser convidado para ilustrar com maravilhosas pinturas e desenhos uma reportagem sobre o barroco mineiro.Entre os repórteres daquela primorosa edição, Drummond, Marques Rebelo e outros grandes escritores.
E pensar que tudo isso repousava num enorme latão de lixo...